4. Crimes contra a Dignidade Sexual

4. Crimes contra a Dignidade Sexual

 

S E N T E N Ç A

                                 Vistos etc.

                                 A representante do Ministério Público do Estado do Pará, em exercício neste juízo, com base no inquérito policial incluso, denunciou R. A. B., de apelido “Mineiro”, brasileiro, convivente, pescador, nascido em 11.04.1969, RG nº 4017560-SSP/PA, CPF 899.919.076-53, filho de R. B. e M. C. C., domiciliado e residente nesta cidade, na Primeira Rua, s/nº, bairro do Caju, dando-o como incurso nas sanções do art. 217-A c/c o art. 14, inciso II, na forma do art. 69, todos do Código Penal, pela prática dos fatos assim descritos na inicial:

                                 “(...) Extrai-se dos autos do Inquérito Policial, em anexo, que no dia 30 de abril de 2011, por volta de 16h00, o denunciado ofereceu a quantia de R$ 10,00 (dez reais) para as vítimas, E. (09 anos) e E. (07 anos), tirarem as roupas e lhe mostrarem as partes íntimas. Após a negativa, R. foi para cima de E. e tentou puxar sua saia, momento em que as duas correram para a casa da vizinha e contaram o que acontecera.

                                 As vítimas informaram que no dia do crime, o acusado chegou à residência das mesmas procurando pelo genitor. Após a informação de que o mesmo estaria trabalhando, tratou de praticar o abuso sexual em face das mesmas. (...)” 

                                 Certidões de nascimento às fls. 36 e 37.

                                 O réu foi preso e autuado em flagrante delito e, posteriormente, foi-lhe concedida a liberdade provisória (autos apensos).

                                 Defesa preliminar às fls. 47/48.

                                 A denúncia foi recebida e designada audiência de instrução e julgamento (fl. 52).

                                 Durante a instrução, foram inquiridas a mãe das vítimas, E. C. de O. (fls. 59/60), as menores E. (fls. 61/62) e E. (fls. 63/64), e as testemunhas R. G. M. (fls. 65/66), T. F. G. (fl. 67), e I. N. G. (fl. 68). Por último, foi qualificado e interrogado o réu (fls. 69/72).

                                 Em memoriais, substitutos dos debates orais, a representante do Ministério Público pugnou pela procedência da ação penal, com a condenação do acusado nos termos da denúncia (fls. 75/79). A defesa do inculpado, por seu turno, postulou a sua absolvição, alegando insuficiência de provas para ensejar a condenação (fls. 80/83).

                                 O réu responde, perante este juízo, a uma ação penal por roubo duplamente qualificado e formação de quadrilha ou bando (fl. 42), bem como foi indiciado em inquérito policial por violação ao art. 10, § 1º, da Lei nº 9.437/97, na Delegacia de Polícia Civil de Icoaraci, e como incurso nas sanções do art. 155, § 4º, inciso IV, do CP, na Unidade Policial de Soure, Pará (fl. 51).

                                 Não há nulidades argüidas.

                                 Relatei. Decido.

                                 Preliminarmente, é de rigor deixar claro que a palavra da vítima, nos crimes sexuais, praticados normalmente na clandestinidade, tem fundamental relevância, principalmente quando apoiada por outros elementos de convicção contidos nos autos. Esse tem sido o reiterado entendimento da jurisprudência.

                                 Na hipótese, analisando o conjunto probatório, não vislumbro a existência de provas cabais acerca da execução do crime de estupro de vulnerável em face das menores E. (9 anos) e E. (7 anos).

                                 É que ficou evidente tão-somente que o acusado as assediou induzindo-as a se exibirem de forma sexualmente explícita, ao lhes oferecer dinheiro em troca de que elas mostrassem a genitália.

                                 O réu, interpelado judicialmente, negou a prática do ato relatado na denúncia e disse que tudo foi armação, bem como que as menores foram induzidas a falar isso (fl. 71). Só que não produziu prova neste sentido.

                                 E. C. O., mãe das crianças, relatou o que ouviu das filhas (fls. 59/60).

                                 A menor E., no entanto, declarou:

Promotora: O que aconteceu naquela tarde?

Vítima: Quando ele chegou, perguntou se o papai estava e eu falei que não. Depois ele falou se tinha alguém na casa e falei que não. Depois ele falou “arriba a saia”, que eu te dou dez reais. Ai veio a titia (a vizinha) até o portão e retornou e ele pediu fósforo, ai eu chamei a minha irmã e fomos nos esconder do lado do guarda-roupas. Ele ainda entrou e procurou por nós e foi embora

Promotora: Ele chegou a pegar em você ou na sua irmã?

Vítima: Só na minha coxa”. (fl. 61) 

                                 E., por sua vez, disse:

Promotora: O que aconteceu naquela tarde?

Vítima: O “Mineiro” chegou e perguntou se o nosso pai estava em casa e dissemos que não e que ele estava trabalhando. Ele pegou na minha saia e levantou e pediu fósforo. Eu fui pegar o fósforo e dei a ele que estava conversando com a minha irmã. Ele falou pra minha irmã que queria pegar na nossa “piriquita” e nós fomos nos esconder. Antes, ele ofereceu dez reais pra gente comprar merenda.

Promotora: Ele chegou a pegar nas suas partes íntimas ou da sua irmã?

Vítima: Não, só falou”. (fl. 63)

                                 A testemunha R. G. M., à fl. 65, confirmou:

Promotora: No dia 30 de abril de 2011, pela parte da tarde, as menores chegaram a sua casa chorando, dizendo que um homem havia entrado na casa delas e oferecido dez reais para que elas tirassem a roupa e mostrassem as partes íntimas a ele?

Testemunha: Sim

Promotora: O acusado chegou a tocar em alguma das menores?

Testemunha: Não, ele só “arribou” a saia da menor

Promotora: Depois de saber dos fatos, a senhora foi até a casa das menores e ainda viu o acusado saindo numa bicicleta pelos fundos da residência?

Testemunha: Sim”.

                                 T. F. G., testemunha arrolada pela defesa, também asseverou:

Advogado: Por que ele foi preso?

Testemunha: Porque ele tinha oferecido dinheiro para duas menores”. (fl. 67)

                                 Em suma, esta é a prova produzida nos autos.

                                Conforme demonstrado acima, resta claro que o acusado estava no local do fato. Entretanto, ao meu sentir, não há evidência concreta quanto ao início de execução do ato libidinoso, pois não houve sequer contato nesse sentido contra as vítimas.

                                Conseqüentemente, não é possível incidir a modalidade do crime postulado pelo Ministério Público, tendo em vista que não houve a iniciação dos atos executórios do delito, consistindo a oferta do valor tão-somente a infração penal prevista no art. 241-D, parágrafo único, inciso II, in fine, da Lei nº 8.069/90 (ECA), na forma do art. 70, do Código Penal.

                                Com efeito, pois só existe a tentativa quando iniciada a execução do fato punível, tipo objetivo (no caso o ato libidinoso), e essa não se consuma por circunstâncias independentes do querer do agente, o que não foi o caso.

                                Não há que se duvidar da necessidade de censura ante a inadequada conduta praticada pelo réu, entretanto, merece esta a aplicação das sanções previstas no art. 241-D, parágrafo único, inciso II, do Estatuto da Criança e do Adolescente, na forma do art. 70, do CP, pois reflete melhor a proporcionalidade entre a ação e a reação do Estado.

                                Observo, aqui, que a oferta de dinheiro pelo réu em troca de ver os órgãos genitais das vítimas revela a ocorrência de uma única ação. Contudo, em decorrência dessa ação o réu atingiu a moral, a dignidade sexual de duas crianças, dando ensejo a dois crimes de aliciamento de menores, os quais, repita-se, foram movidos por ação única inicial.

                                E aqui cumpre deixar consignado que pode o julgador, à luz do art. 383, do Código de Processo Penal, dar ao fato descrito na peça acusatória definição jurídica diversa da que desta constar, mesmo que, em conseqüência, tenha que aplicar pena mais grave. 

                                Isso ocorre, porque o réu não se defende da capitulação atribuída, mas sim dos fatos descritos na denúncia ou na queixa. É a chamada emendatio libelli, a qual permite ao juiz proceder a correção inicial equivocada ou até mesmo errônea da classificação legal do crime, seja o delito apurado por ação penal pública ou privada.

                                Ressalte-se que tal procedimento não acarreta qualquer surpresa ou prejuízo à defesa, razão pela qual se torna desnecessária sua intervenção prévia, uma vez que se encontra baseado em fatos devidamente narrados na peça inicial acusatória, para os quais apenas se procede a devida correção quanto à capitulação legal.

                                Oportuno citar o ensinamento do ilustre doutrinador Julio Fabbrini Mirabete:

                                “Permite o Código que a sentença possa considerar na capitulação do delito dispositivos penais diversos dos constantes na denúncia, ainda que tenha de aplicar pena mais grave. Não há no caso uma verdadeira mutatio libelli, mas simplesmente uma corrigenda da peça acusatória (emendatio libelli). Estando os fatos descritos na denúncia, pode o juiz dar-lhe na sentença definição jurídica diversa, inclusive quanto às circunstâncias da infração penal porquanto o réu se defendeu daqueles fatos e não de sua capitulação inicial. Podem ser reconhecidas então qualificadoras, causas de aumento de pena, evidentemente com aplicação de pena mais grave, ou até mesmo por outro crime, não capitulado na inicial (...).” (Código de Processo Penal Interpretado, 11ª ed., São Paulo, Atlas, 2003, p. 982).

                                O Excelso Pretório assim também entende:

                                          “A nova classificação jurídica dada aos fatos relatados de modo expresso na denúncia, inobstante a errônea qualificação penal por ela atribuída aos eventos delituosos, não tem o condão de prejudicar a condução da defesa técnica do réu desde que presentes, naquela peça processual, os elementos constitutivos do próprio tipo descrito nos preceitos referidos no ato sentencial. Defende-se o réu do fato delituoso narrado na denúncia, e não da classificação jurídico-penal dela constante. A regra do art. 384 do CPP só teria pertinência e aplicabilidade se a nova qualificação jurídica dada aos fatos descritos na peça acusatória do Ministério Público dependesse, para sua configuração, de circunstância elementar não contida, explícita ou implicitamente, na denúncia” (RT 662/364).

                                Outro registro que se faz necessário é quanto à suspensão do processo, eis que a pena mínima cominada à espécie delitiva é de 1 (um) ano, o que permite, em tese, a concessão do benefício.

                                Ocorre, porém, que o réu está sendo processado pela prática de outro crime, o que inviabiliza o benefício (fl. 42).

                                Mas não é só por isso, afastam-se da esfera de aplicação da suspensão condicional do processo os crimes com pena mínima não superior a um ano, mas cometidos em concurso formal, material ou em continuidade delitiva, se a soma das penas mínimas cominadas a cada delito individualmente ultrapassar aquele quantum.

                                Nesse sentido:

                                          “PENAL. PROCESSO PENAL. SUSPENSÃO CONDICIONAL DO PROCESSO. RÉU QUE RESPONDE A OUTRO PROCESSO. DIREITO INEXISTENTE. ÓBICE PREVISTO NO ARTIGO 89 DA LEI 9.099/95. SENTENÇA CONFIRMADA. RECURSO NÃO PROVIDO.” (Apelação Criminal nº 2004.01.1.115626-7, 2ª Turma Recursal dos Juizados Especiais Cíveis e Criminais do Distrito Federal, Rel. Juiz César Laboissiere Loyola, j. em 14.12.2005)

                                         “STJ - Súmula nº 243 – O benefício da suspensão do processo não é aplicável em relação às infrações penais cometidas em concurso material, concurso formal ou continuidade delitiva, quando a pena mínima cominada, seja pelo somatório, seja pela incidência da majorante, ultrapassar o limite de um (01) ano.”

                               Por conseguinte, não obstante os fundamentos deduzidos pela defesa, a pretendida absolvição do réu se mostra inviável, pois, diversamente do sustentado em seus memoriais, há provas firmes, concretas e suficientes para dar suporte à sentença condenatória.

                               À vista do exposto, e por tudo mais que dos autos consta, julgo parcialmente procedente a pretensão deduzida na inicial, para o fim de condenar R. A. B., vulgo “Mineiro”, inicialmente qualificado, pela prática do crime previsto no art. 241-D, parágrafo único, inciso II, da Lei nº 8.069/90, na forma do art. 70, do Código Penal, tendo como vítimas as menores E. e E., de 9 e 7 anos de idade à época dos fatos.

                                Em razão disso, passo a dosar a respectiva pena, em estrita observância ao disposto no art. 68, caput, do Código Penal.

                                As condutas incriminadas e atribuídas ao réu incidem no mesmo juízo de reprovabilidade, impondo-se, portanto, uma única apreciação sobre as circunstâncias judiciais enunciadas no art. 59, do Código Penal, a fim de evitar repetições desnecessárias.

                                Quanto à culpabilidade, verifico que a conduta do réu é reprovável; Não possui antecedentes criminais, haja vista a inexistência de decisão transitada em julgado; Nenhum elemento foi coletado a respeito da sua conduta social e personalidade; Os motivos do crime estão atrelados à satisfação da lascívia do réu e, embora repugnantes, são próprios do tipo penal; As circunstâncias são totalmente desfavoráveis ao acusado, porquanto ele se valeu da ingenuidade e inocência das crianças para induzi-las a mostrar suas partes íntimas; As conseqüências dos delitos são extremamente graves, vez que cometidos contra meninas de tenra idade, ocasionando-lhes traumas psicológicos facilmente imagináveis; O comportamento das menores não influenciou nos delitos.

                                Diante, pois, desses parâmetros, fixo a pena-base privativa de liberdade para cada um dos crimes em 1 (um) ano e 6 (seis) meses de reclusão.

                                Não concorrem circunstâncias atenuantes, agravantes, nem causas de diminuição ou aumento de pena a serem observadas.

                                À vista do resultado obtido, condeno o réu, ainda, ao pagamento de 15 (quinze) dias-multa para cada um dos crimes, sendo cada dia-multa no seu piso legal.

                                Por derradeiro, em sendo aplicável ao caso a regra do art. 70, do Código Penal, frente à existência de uma única ação, a qual se desdobrou na execução de dois atos distintos – prática de dois crimes de aliciamento de menores, os quais tiveram suas penas individuais devidamente dosadas em patamares idênticos, aplico apenas uma das penas privativas de liberdade, aumentada do critério ideal de 1/6 (um sexto), razão pela qual fica o réu definitivamente condenado à pena de 1 (um) ano e 9 (nove) meses de reclusão e ao pagamento de 18 (dezoito) dias-multa, mantendo-se o valor já fixado.

                                Em consonância com o disposto no art. 33, § 2º, “c”, do Código Penal, o réu deverá cumprir a pena em regime aberto.

                                No entanto, verifico que na hipótese, torna-se cabível a aplicabilidade da substituição da pena corporal por restritiva de direitos, uma vez que o réu preenche os requisitos alinhados no art. 44, do Código Penal, revelando ser a substituição suficiente à repreensão dos delitos.

                                Assim sendo, nos termos do art. 44, § 2º, última parte, e na forma dos artigos 45, § 1º, e 46, do Código Penal, substituo a pena privativa de liberdade por duas restritivas de direitos, quais sejam: a de prestação de serviços à comunidade e de prestação pecuniária, por se revelarem as mais adequadas ao caso, na busca da reintegração do sentenciado à comunidade e como forma de lhe promover a auto-estima e compreensão do caráter ilícito de sua conduta, sendo àquela consistente em tarefas gratuitas a serem desenvolvidas no prazo a ser estipulado em audiência admonitória, junto a uma das entidades enumeradas no § 2º, do citado art. 46, a ser designada pelo Juízo da Execução, devendo ser cumprida à razão de uma hora por dia, que será distribuída e fiscalizada, de modo a não prejudicar a jornada de trabalho do ora condenado, e esta (prestação pecuniária), no pagamento do valor de 1 (um) salário mínimo vigente na ocasião do recolhimento, para ser convertido na aquisição de uma cesta básica a ser entregue à família das vítimas.        

                                Concedo ao réu o direito de recorrer em liberdade, pois assim esteve ao longo da instrução processual e não há motivos para a decretação da sua prisão preventiva.

                                Condeno-o, ainda, ao pagamento das custas processuais.

                                Oportunamente, após o trânsito em julgado desta sentença, tomem-se as seguintes providências:

                                 a) Lance-se o nome do réu no rol dos culpados;

                                 b) Proceda-se o recolhimento do valor atribuído a título de pena pecuniária;

                                 c) Façam-se as comunicações necessárias, inclusive à Justiça Eleitoral; e

                                 d) Voltem-me conclusos os autos para designação de audiência admonitória.

                                 P. R. I.

Salvaterra, Pará, 28 – maio – 2012

 

 

PAULO ERNESTO DE SOUZA

Juiz de Direito

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S E N T E N Ç A

                                 Vistos etc.

                                 Tratam estes autos da AÇÃO PENAL movida pelo representante do Ministério Público, com atribuições nesta Comarca, contra L. S. M., vulgo ‘Laúca’, brasileiro, solteiro, pescador, nascido em 05.10.1955, filho de L. M. de M. e S. de S. M., e M. J. P. B., de apelido ‘Juquinha’, brasileira, casada, prendas do lar, nascida em 22.06.1951, filha de R. M. P., ambos residentes nesta cidade, na Estrada do Guajará, s/nº, bairro do Caju, pela prática continuada do crime de atentado violento ao pudor com presunção de violência (CP, art. 214 c/c os artigos 224, alínea ‘a’, e 71, e não 70 como mencionado na inicial).

                                 Consta da denúncia que o acusado, em diferentes ocasiões, praticou atos libidinosos diversos da conjunção carnal com a menor C. C. B. S., de apenas 6 anos de idade à época dos fatos, neta de sua convivente, a também denunciada M. J. P. B.

                                 Refere, ainda, a peça acusatória que a avó da criança cooperava, de forma omissiva – desde que tinha o dever jurídico de impedi-lo – para o resultado da ação delituosa do seu amásio.

                                 Depois de recebida a denúncia, foram os réus citados, qualificados e interrogados, oportunidade em que negaram as acusações que lhe são atribuídas (fls. 46/48 e 49/51v).

                                 Na defesa prévia, a defensora pública se reservou para apreciar o meritum causae por ocasião das alegações finais, arrolando, contudo, testemunhas (fls. 53).

                                 Foram colhidos os depoimentos das testemunhas arroladas pelas partes, à exceção de E. M. B. S., cujo depoimento foi dispensado pelo órgão ministerial (fls. 56/60 e 61/62).

                                 Ultrapassada a fase do art. 499, do Código de Processo Penal, sem requerimentos, vieram as alegações finais.

                                 O representante do Ministério Público, em exercício, ratificou os termos da denúncia e pugnou pela condenação dos réus (fls. 72/75). A defesa, ao contrário, considerando frágeis as provas coligidas nos autos, pugnou pela absolvição dos mesmos, insurgindo-se, ainda, contra o laudo pericial acostado às fls. 12, por estar subscrito apenas por um perito não oficial (fls. 77/79).

                                 Os réus não possuem antecedentes criminais (fls. 65/66 e 67/68).

                                 Com este relatório, passo à decisão.

                                 Cuida-se de crime contra a liberdade sexual, de atentado violento ao pudor, assim descrito no Código Penal: “Constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, a praticar ou permitir que com ele se pratique ato libidinoso diverso da conjunção carnal”, conforme o art. 214.

                                 Tratando-se de menor de 14 (quatorze) anos a violência, como elemento do tipo, é presumida, nos termos do art. 224, alínea ‘a’, do mesmo diploma citado (certidão de nascimento às fls. 14).

                                 Analisando-se todo o contexto fático-probatório contido nos autos, conclui-se, sem muito esforço, que a denúncia procede.

                                 Com efeito, as provas coligidas não deixam dúvidas quanto à prática dos crimes pelos réus, eis que a vítima, não obstante a vergonha e humilhações por que passou, com segurança absoluta, narrou as violências que sofreu ao promotor de justiça, ao delegado de polícia e em juízo, contrapondo-se à negativa daqueles. Confira-se:

                                 Ao representante do Ministério Público disse:

                                 ”(...) que foi o Laurinho quem mexeu com a declarante; que ele começou a me abraçar e me agarrar, que ele meteu o pinto dele dentro do bumbum da declarante; que quando foram tirar palhas ele beijou a declarante na boca e fez saliência com a declarante, que ele colocou o pinto no bumbum da declarante; que Lauro colocou várias vezes o pinto na boca da declarante; que, de outra vez, quando ele colocou o pinto na boca da declarante, saiu pus do pinto dele e a declarante baldeou; que outra vez, Laurinho tinha acabado de colocar o pinto no bumbum da declarante quando sua avó chegou e nem deu tempo de a declarante vestir a roupa; que sua avó ainda lhe bateu; que saía pus do pinto de Laurinho; que Laurinho lhe ameaçava de pancada caso contasse para alguém” (fls. 24/25).

                                 Na polícia, declarou:

                                 ”(...) Que a informante conviveu por vários meses com sua avó JUQUINHA e LAÚCA; Que quando sua avó JUQUINHA saía de casa para fazer alguma coisa fora, LAÚCA dizia que ia tirar palhas e levava a informante junto com ele e quando chegava no matagal LAÚCA se deitava e colocava a informante em cima dele, já estando com o pênis ereto, colocava o mesmo na boca da informante e depois no ânus e esfregava na vagina, isso aconteceu por várias vezes; Que uma vez LAÚCA passava o dedo na vagina da informante, no fundo do quintal da casa que moravam; Que LAÚCA uma vez colocou a informante em cima da cama, tirou sua calcinha e esfregava o pênis dele duro na vagina da mesma e JUQUINHA viu e, nesta ocasião, LAÚCA saiu de cima da vítima e JUQUINHA passou a espancar a informante; Que um dia a informante contou o que LAÚCA vinha fazendo com ela para a sua tia LEILA” (fls. 15 e verso).

                                 E em juízo, confirmou:

                                 “(...) Que quando a sua avó saía para fazer alguma coisa fora de casa, o ‘Laúca’ dizia que iria tirar palhas no mato e lhe levava com ele; Que é verdade que, ao chegar no mato, o ‘Laúca’ se deitava com o pinto duro e lhe colocava em cima dele; Que é também verdade que o ‘Laúca’ colocava o pinto dele na sua boca e no seu bumbum; Que o ‘Laúca’ também esfregava o pinto dele na sua vagina e lhe beijava na boca; Que esses fatos aconteceram várias vezes, sempre longe da sua avó; Que o ‘Laúca’, uma vez chegou a passar os dedos na sua vagina, quando estavam nos fundos do quintal da casa onde moravam; Que, nesse dia, a sua tia Leila lhe perguntou o que estava acontecendo e lhe respondeu que o ‘Laúca’ havia metido o dedo na sua vagina, mas que ela não contasse nada à sua avó; Que, certa vez, o ‘Laúca’ lhe colocou na cama, tirou a sua calcinha e passou a esfregar o pinto dele na sua vagina e a sua avó viu e passou a lhe espancar e chutar; Que tinha medo da sua avó, porque ela lhe batia; Que é verdade que numa dessas idas para o mato com o ‘Laúca’, ele lhe mandou tirar a calcinha e sentar sobre as pernas dele, estando ele com o pinto para fora da calça e também mandou que passasse a mão no pinto dele; Que é verdade que, depois disso, saiu correndo e encontrou a sua avó e a Leila e passou a contar o que havia acontecido e a sua avó lhe bateu e mandou tomar banho, dizendo-lhe que ia lhe mandar de volta para a casa da sua mãe, só que ela não lhe mandou embora; Que a sua avó, certa vez, chegou a lhe examinar e disse que não havia nada; Que o ‘Laúca’ lhe ameaçava bater se contasse a alguém o que ele fazia (...)” (fls. 56).

                                 R. M. P. B., mãe da vítima e filha da acusada, ao tomar conhecimento dos fatos se dirigiu ao representante do Ministério Público, historiou devidamente a prática delituosa, na forma que lhe transmitira a sua irmã e a menor, e pediu providências.

                                 No inquérito ratificou as suas declarações.

                                 Em juízo, chorando, afirmou:

                                 “(...) Que a sua filha, quando tinha cinco anos de idade, passou a morar com a sua mãe e o acusado; (...) Que, certa vez, a Leila, sua irmã, lhe falou que estava no quarto, quando escutou a vítima, que estava no quintal, gemer; Que a Leila lhe disse que chamou a vítima e esta lhe disse que o acusado estava metendo o dedo na vagina dela; Que a Leila contou à acusada, sua mãe, o que tinha escutado da vítima, mas ela não acreditou; Que a Leila chegou a aconselhar a sua mãe a entregar-lhe a filha, mas ela não cedeu; Que a sua irmã também lhe falou que o Lauro sempre arranjava uma desculpa para levar a sua filha para o mato; (...) Que a sua mãe lhe falou que, certa ocasião, presenciou o Lauro saindo do quarto abotoando a braguilha e a vítima estava nua na cama; Que a sua mãe também lhe disse que havia brigado com o Lauro e que tinha dado parte dele na polícia; Que é verdade que a acusada, ao entregar a vítima para o pai, disse a ele que o Lauro estava se engraçando da menina; (...) Que procurou se informar se havia algum registro na polícia e não encontrou nada; Que, então, procurou a juíza e o promotor de Soure e foi orientada a se dirigir à polícia; Que, nessa época, residia em Soure; (...) Que a sua filha lhe contou que todas as vezes que a sua avó saía, o Lauro a levava para o mato e deitava-se sobre ela; Que a sua filha também lhe falou que ele, o Lauro, colocava o pênis na sua boca, passava-o no ânus e na vagina dela; Que a sua filha lhe contou que esses fatos ocorreram por várias vezes; (...)” (fls. 57/58). 

                                 A testemunha L. M. P. B., tia da menor e que morava com os acusados na época dos fatos, por sua vez, disse:

                                 ”(...) Que passou a morar com a sua mãe e o acusado a partir de junho de 1999; Que convive com um rapaz há três anos e tem dois filhos; Que a sua sobrinha, a vítima, passou a morar com a mãe da declarante e o Lauro; Que, certo dia, encontrava-se no quarto com a vítima e o acusado a chamou para baixo de uma árvore que fica no quintal, próximo do dito quarto; Que, em seguida, ouviu gemidos da Carla e, então, a chamou e perguntou o que estava acontecendo e ela lhe falou que o Lauro tinha metido o dedo na sua vagina, pedindo-lhe que não contasse nada para a avó; Que no mesmo dia a declarante contou isso para a acusada, sua mãe, e ela disse que não acreditava; Que, no dia seguinte, o Lauro convidou a Carla para buscar tala de imbaúba no mato; Que comunicou esse fato à sua mãe e passaram a procurá-los, mas não os encontraram; Que passados alguns instantes, a Carla apareceu correndo e foi interceptada pela avó e indagada sobre o que havia acontecido, vindo a dizer que o Lauro tinha sentado e mandado tirar a calcinha e sentar sobre as pernas dele e que ele estava com o pinto para fora e mandou que ela passasse a mão; Que a menina também falou que Lauro lhe ameaçou bater, caso contasse alguma coisa à sua avó; Que a sua mãe, a acusada, após ouvir o relato da menina, bateu nela e a mandou tomar banho; Que pediu que a sua mãe examinasse a criança e ela a examinou, sozinha no quarto, sem lhe deixar presenciar; Que a sua mãe, após, falou que a Carla estava perfeitinha; Que, depois de três dias, o Lauro voltou a sair com a vítima para tomar banho próximo ao matadouro e, ao retornarem, a Carla vinha chorando, mas a declarante não conseguiu saber a razão desse choro, porque a sua mãe não as deixava ficar a sós; Que numa outra ocasião, a declarante, sua mãe, o Lauro e Carla foram tirar palha no mato e, depois, a Carla apareceu triste e dizendo que o Lauro lhe agarrava, beijava e colocava o pinto dele na sua bunda e na sua boca; Que disse a Carla que se afastasse dele, mas ela falou que ele a ameaçava bater; Que é verdade que a sua mãe lhe contou que, certa vez, ao chegar em casa, viu o Lauro saindo do quarto abotoando a calça e que a Carla estava nua na cama; Que a sua vizinha, de nome Elza, lhe falou depois que, por causa disso, a sua mãe bateu muito na Carla; Que após esse fato, a sua mãe resolveu entregar a Carla para o pai dela; Que contou todos esses fatos à sua irmã, mãe da Carla, que residia em Soure; Que, depois desses fatos com a Carla, a declarante resolveu sair da casa da sua mãe; (...)” (fls. 59/60).

                                 Vê-se, assim, pelos depoimentos transcritos, que não há dúvidas quanto à autoria delituosa. O conjunto probatório fortifica, valoriza e credibiliza as declarações da vítima, cuja imaginação construtiva não poderia urdir versão de tal ordem. Ademais, nestes tipos de delitos, como se sabe, é comum a ausência de testemunhas oculares, pois ocorrem geralmente na clandestinidade. Não se pode, por isso, desprezar os testemunhos da mãe e da tia da menor, únicas pessoas que, pelas peculiaridades do crime, podiam dele melhor se informar, sem esquecer que a palavra da ofendida, na hipótese, ganha especial relevo.

                                 Nesse sentido, transcrevo algumas ementas:

                                 “Nos crimes sexuais, a palavra da vítima, quando em harmonia com os demais elementos de certeza dos autos, reveste-se de valor probante e autoriza a conclusão quanto à autoria e às circunstâncias do crime. Precedente” (STF, 2ª T., HC 79.850-1, rel. Min. Maurício Corrêa, j. 28.03.2000, DJU 05.05.2000, p. 21). 

                                 “As declarações da vítima, ainda que menor, gozam de presunção de veracidade nos crimes contra os costumes, porquanto tais delitos, via de regra, são cometidos na clandestinidade, na presença unicamente de seus protagonistas, razão pela qual tomam vulto, se coerentes e em harmonia com os outros elementos de convicção existentes nos autos” (JCAT 98/363).

                                   “Em tema de delitos sexuais é verdadeiro truísmo dizer que quem pode informar da autoria é quem sofreu a ação. São crimes que exigem o isolamento, o afastamento de qualquer testemunha, como condição mesma de sua realização, de sorte que negar crédito à ofendida quando aponta quem a atacou é desarmar totalmente o braço repressor da sociedade” (RT 442/380).

                                   “Atentado violento ao pudor – Prova – Vítima menor – Condenação baseada na palavra da ofendida e depoimento de seus familiares – Admissibilidade – Informações eficazes em proporção com as demais provas e indícios” (RT 615/337).

                                 Por outro lado, como o atentado violento ao pudor nem sempre deixa vestígios, é dispensável o exame do corpo de delito. A materialidade desse crime, como na apalpação, no beijo lascivo, toques e manobras nas pernas, coxas, inclusive nos órgãos sexuais e a própria felação, se comprova, validamente, pela palavra da ofendida, coerente com as circunstâncias, como na espécie sub examine.

                                 A propósito, eis alguns precedentes:

                                 “STF – Atentado violento ao pudor. Prova. Ausência do exame de corpo de delito. Nulidade inexistente. Hipótese de crime que não deixa vestígios. (...) O exame de corpo de delito é dispensável para a apuração do crime de atentado violento ao pudor, pois este delito não está entre aqueles que exigem obrigatoriamente o exame pericial, quando a prática de atos libidinosos, sem penetração, não deixar vestígios” (RT 752/525).

                                 “TJRR - Para a configuração da materialidade do crime de atentado violento ao pudor, não se exige o exame de corpo de delito, por não deixar vestígios, sendo suficientes as palavras seguras, constantes e incisivas da vítima, quando em harmonia com o conjunto probatório delineado nos autos do processo” (RT 816/674).

                                 Diante disso, a irregularidade argüida pela defesa em relação ao laudo pericial elaborado por um só perito, sem que este tenha qualquer influência na solução da causa, até porque dispensável como vimos, não pode ser acolhida, máxime quando a decisão, como in casu, se assenta na prova oral.

                                 Quanto à omissão da acusada M. J. P. B. em impedir a ação criminosa do seu amásio, ainda que não haja prova robusta da sua efetiva participação nos atos delituosos cometidos contra a pequena C., é de se considerar a sua inércia, a sua passividade ou tolerância como omissão penalmente relevante, porque violou seu dever de proteção para com a neta, de quem detinha a guarda de fato, concorrendo para a prática dos crimes, pelo que se impõe a condenação da mesma nas penas cominadas aos crimes praticados pelo réu, na medida da sua culpabilidade.

                                 Realmente, pois, como sabido, a omissão é penalmente relevante quando o omitente devia e podia agir para evitar o resultado, sendo certo que o dever de agir incumbe a quem tenha por lei obrigação de cuidado, proteção ou vigilância ou, ainda, que tenha, por seu comportamento anterior, criado o risco da ocorrência do resultado.

                                 Ora, é dever da família assegurar, com absoluta prioridade, a efetivação dos direitos referentes à dignidade, ao respeito e a uma convivência familiar sadia de toda criança e adolescente. Mas, ao contrário de uma avó zelosa, a acusada, não obstante ter sido alertada por sua filha; ter tomado conhecimento, através da menor, dos ilícitos praticados pelo amásio e quase tê-lo flagrado na cama com a criança, em vez de denunciar os fatos às autoridades, preferia espancar a neta, violentando-a ainda mais.

                                 Tal entendimento encontra-se emoldurado na ementa que condensou o julgamento proferido no Recurso Criminal nº 144.441-3/Osasco, da 3ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, de que foi relator o Des. Gonçalves Nogueira, verbis:

                                 “Co-autoria – Caracterização – Participação por omissão – Recurso não provido. A omissão é penalmente relevante quando o omitente devia e podia agir para evitar o resultado, sendo certo que o dever de agir incumbe a quem tenha por lei obrigação de cuidado, proteção ou vigilância ou que tenha, por seu comportamento anterior, criado o risco da ocorrência do resultado” (JTJ 147/281).

                                 E mais:

                                “Estupro – Co-autoria – Crime praticado na presença da mãe da vítima – Irrelevância da insuficiência de provas quanto à sua efetiva participação, violação do dever de proteção para com a filha – Omissão penalmente relevante – Condenação decretada” (RT 725/629).

                                 Assim, em que pese os acusados terem negado os crimes, as provas dos autos não lhes favorecem. As próprias testemunhas arroladas pela defesa, em absolutamente nada contribuíram para livrá-los da acusação. Nenhuma prova existe nos autos que contrarie ou desqualifique as firmes declarações da vítima, prestadas com segurança e coerência tanto na fase extrajudicial quanto na fase judicial.

                                 No que se refere à alegação de que estariam sendo vítimas de uma eventual vingança por parte da mãe e da tia da ofendida, de igual forma não se confirmou nos autos. Até porque não seria crível que havendo tal animosidade a guarda da menor fosse conferida aos acusados.

                                 Por conseguinte, se a palavra da vítima não é desmentida, se não se revela ostensivamente mentirosa ou contrariada, o que cumpre é aceitá-la, eis que não se compreende proponha-se ela, com apenas 6 anos de idade, a, inescrupulosamente, incriminar alguém e atribuir-lhe falsa prática de crime, sem que razões se vislumbre para tanto.

                                 O que não se justifica é tentar desacreditá-la, a pretexto de ser uma criança, pois a prova dos autos desfavorece os réus e revela que, sem o mínimo freio moral, a violentaram por diversas vezes.

                                 Cumpre, por fim, registrar que “o réu se defende da imputação de fato contida na denúncia, não da classificação do crime feita pelo promotor de justiça” (STF, HC 56.874, DJU 08.06.79, p. 4534).

                                 Conseqüentemente, embora a peça acusatória tenha silenciado sobre o dispositivo concernente à causa especial de aumento de pena prevista no art. 226, item II, do Código Penal, encontra-se ela contida explicitamente na inicial e, o mais importante, comprovada nos autos.

                                 Com efeito, a qualidade de ascendente (avó) da acusada consta da certidão de nascimento da ofendida (fls. 14). E o ofensor, apesar de não ser legalmente avô da vítima, não resta dúvidas, exercia autoridade sobre ela, em razão da convivência que mantinha com a sua avó.

                                 Eis a jurisprudência:

                                 “Atentado violento ao pudor – Pena – Aplicação da causa de aumento da reprimenda prevista no art. 226, II, do CP – Admissibilidade – Ofensor que, embora não fosse legalmente avô da vítima, era assim considerado por esta – Legislador que pretendeu punir mais acerbamente aquele que comete delito prevalecendo-se das relações de parentesco ou autoridade – Voto vencido” (RT 780/598). 

                                 À vista disso, julgo procedente a pretensão deduzida na inicial para condenar L. S. M. e M. J. P. B., inicialmente qualificados, pela prática do crime previsto no art. 214 c/c os artigos 224, alínea ‘a’, 226, item II, e 71, todos do Código Penal.

                                 Em conseqüência, passo à dosimetria da pena.

                                 Considerando o elevado grau de culpabilidade do réu L. S. M., que não se conteve diante da condição digna de proteção e respeito especial da vítima, uma criança de apenas 6 anos de idade, demonstrando, com as suas atitudes, uma personalidade mal formada e marcada pela depravação moral; considerando as conseqüências traumáticas que advirão à menor na sua formação, bem como que ela em nada contribuiu para os eventos delituosos, hei por bem fixar a pena base um pouco acima do mínimo legal, ou seja, em sete (7) anos de reclusão, a qual, na ausência de outros fatores modificativos, acresço de quarta parte, em razão da causa de aumento prevista no art. 226, II, do CP – oito (8) anos e nove (9) meses, e, também, de um sexto pela continuidade delitiva, ficando então condenado à pena de dez (10) anos, dois (2) meses e quinze (15) dias de reclusão, a ser cumprida em regime, integralmente, fechado, como prevê a legislação pertinente (art. 2º, § 1º, da Lei nº. 8.072/90).

                                 Quanto à acusada M. J. P. B., nada se aferiu acerca da sua personalidade ou da sua conduta social. Contudo, demonstrou grande parcela de culpabilidade ao deixar de assegurar, com absoluta prioridade, a necessária proteção à sua neta, da qual tinha a guarda à época dos fatos, para livrá-la das investidas do seu amásio, como era do seu dever, omitindo-se em tomar providências efetivas para evitar o resultado, apesar de alertada em diversas oportunidades; considerando que as circunstâncias do fato não a favorecerem e as conseqüências dos crimes serem gravosas, pois marcarão, para sempre, a personalidade da criança, hei por bem fixar a pena base no mínimo legal, isto é, em seis (6) anos de reclusão, acrescida da causa de aumento prevista no art. 226, II, do CP – sete (7) anos e seis (6) meses, além da incidência de um sexto, referente à continuidade delitiva, importando a pena em oito (8) anos e nove (9) meses de reclusão, a ser cumprida, integralmente, em regime fechado, como prevê a legislação pertinente (art. 2º, § 1º, da Lei nº. 8.072/90).

                                 Tendo em vista que os réus permaneceram em liberdade durante toda a tramitação do processo e não havendo, até o momento, razões que justifiquem a prisão cautelar dos mesmos, permito-lhes aguardarem livres o julgamento de eventual recurso.

                                 Transitada em julgado esta decisão, inscrevam-se os nomes dos réus no rol dos culpados, fazendo-se as anotações e comunicações de praxe, e prosseguindo-se nos ulteriores de direito.

                                 Custas de lei.

                                 P. R. I.

Salvaterra, Pará, 03 - outubro - 2005

 

 

PAULO ERNESTO DE SOUZA

Juiz de Direito