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3. Crimes de Tráfico de Entorpecentes

3. Crimes de Tráfico de Entorpecentes

 

SENTENÇA

 

                                 Vistos etc.

                                 O MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO PARÁ, por intermédio de seu representante, com base no incluso inquérito policial tombado sob o nº 134/2009.000083-9, ofereceu denúncia em desfavor de R. N. S. B., vulgo “Pé de arcanjo”, brasileiro, solteiro, deficiente físico, nascido em 22.07.1971, RG nº 2473010-SSP/PA, inscrito no CPF sob o nº 449.693.992-20, filho de J. S. B. e de R. M. S. B., domiciliado e residente na Segunda (2ª) Rua, s/nº, Vila de Jubim, neste Município, dando-o como incurso nas sanções previstas no art. 33, caput, da Lei nº 11.343/2006, c/c art. 147, do Código Penal, e art. 12, da Lei nº 10.826/2003, pelos fatos delituosos assim descritos na peça acusatória:

                                 “... Relatam os autos de Inquérito Policial suso que no dia 14 de março de 2009, por volta de 11:25 h, R. N. ameaçou de morte com uma arma de fogo calibre 22, da marca ROSSY, o Sr. B., após convidá-lo para tomar cerveja e este não aceitou, na Vila do Jubim, nesta cidade.

                                 Os policiais foram chamados e averiguaram, também, a existência de 20g de maconha debaixo do colchão do acusado, o valor de R$ 105,00 (cento e cinco reais) em dinheiro e que R. não tem permissão de possuir a arma de fogo encontrada com ele.

                                 R. admitiu à autoridade policial, às fls. 08, que vende trouxinhas de maconha para o seu sustento e para comprar medicamentos.  ....”.

                                 O denunciado foi preso em flagrante e o auto devidamente homologado. Contudo, permaneceu em sua residência, devido ser portador de paraplegia e, também, por ter sido submetido a uma colostomia, em face da ressecção intestinal, conforme os autos apensos.

                                 Citado, o réu, através de seu advogado, ofereceu a defesa preliminar e arrolou testemunhas (fl. 43).

                                 A denúncia foi recebida, sendo designados dia e hora para a audiência de instrução e julgamento (fls. 45 e verso).

                                 Exame de constatação da substância apreendida à fl. 19 e o laudo definitivo, por cópia, à fl. 39.

                                 Laudo pericial da arma de fogo à fl. 53.

                                 O réu foi qualificado e interrogado (fls. 55/58), sendo inquiridas a vítima e as testemunhas arroladas pelas partes, à exceção de H. A. G., cujo depoimento foi dispensado pelo representante do Ministério Público (fls. 59/70).

                                 Em alegações finais, sob a forma de memoriais escritos, o Promotor de Justiça, em exercício, pugnou pela condenação do réu nas penas dos artigos 33, caput, da Lei nº 11.343/2006, e 147, do Código Penal, bem como pela sua absolvição quanto à imputação de posse ilegal de arma de fogo, uma vez que essa conduta à época do fato estava temporariamente descriminalizada (fls. 71/79).

                                 A defesa, também sob a forma de memoriais escritos, argüiu a nulidade do feito por ausência do laudo toxicológico definitivo e pediu a absolvição do réu, alegando insuficiência probatória (fls. 81/83).

                                 O acusado não possui antecedentes desabonadores (fl. 51).

                                 Vieram-me os autos conclusos.

 

                                 Relatei. Decido.

 

                                 De nulidade ou absolvição, no processo sub judice, não há que se falar, uma vez que diante do quadro probatório dos autos, do qual autoria e materialidade delitiva restaram satisfatoriamente comprovadas, a condenação é de rigor.

                                 Com efeito, a circunstância de o laudo toxicológico haver sido juntado aos autos por cópia, não tem a relevância pretendida pela defesa, máxime quando as demais provas e indícios apurados sob o crivo do contraditório autorizam, como na hipótese, a conclusão de que o réu é realmente traficante.

                                 Não tendo a defesa, ademais, em momento algum, posto em dúvida a identidade da substância tóxica apreendida, nem tampouco negado autenticidade à cópia do laudo acostada aos autos e sequer impugnado seu conteúdo, não se pode inferir que haja sido prejudicada, sobretudo em tais circunstâncias.

                                Por isso, afasto a alegada nulidade, devendo, contudo, ser requisitado ao delegado de polícia que remeta a este juízo o original do laudo toxicológico definitivo, tudo conforme os seguintes arestos:

                                “PENAL. PROCESSUAL PENAL. RECURSO ESPECIAL. TRÁFICO INTERNACIONAL DE ENTORPECENTES, ASSOCIAÇÃO AO TRÁFICO, LAVAGEM DE DINHEIRO E SONEGAÇÃO FISCAL. NECESSIDADE DE ESGOTAMENTO DA VIA ADMINISTRATIVA COMO CONDIÇÃO DE PROCEDIBILIDADE DA AÇÃO PENAL PELO CRIME DE SONEGAÇÃO. AUSÊNCIA DE LAUDO TOXICOLÓGICO. PRESCINDIBILIDADE. CONJUNTO PROBATÓRIO ROBUSTO A COMPROVAR A MATERIALIDADE DO DELITO. INCIDÊNCIA DA SÚMULA 7/STJ. ALEGADA VIOLAÇÃO DO ART. 12, § 2º, DA LEI 6.368/76. PREJUDICADA APRECIAÇÃO. RECURSO CONHECIDO E IMPROVIDO.

                                 1. Nos crimes contra a ordem tributária, previstos no art. 1º da Lei 8.137/90, a instauração da ação penal depende da constituição definitiva do crédito tributário, após o encerramento do procedimento fiscal na esfera administrativa, para que não constitua constrangimento ilegal, pela ausência de condição objetiva de punibilidade. Precedentes do STJ.

                                 2. Prejudicado o pedido em relação à violação do art. 1º da Lei 8.137/90, uma vez que concedida ordem de habeas corpus ao paciente para afastar a condenação pela prática do delito de sonegação fiscal. (HC 77.986/MS, de minha relatoria, DJ 7/4/08).

                                 3. Consoante a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça a materialidade do crime de tráfico de entorpecentes deve ser comprovada mediante a juntada aos autos do laudo toxicológico definitivo. Entretanto, tal entendimento deve ser aplicado na hipótese em que há a apreensão da substância entorpecente, justamente para se aferirem as características da substância apreendida, trazendo subsídios e segurança ao magistrado para o seu juízo de convencimento acerca da materialidade do delito.

                                             4. O laudo de exame toxicológico definitivo da substância entorpecente não é condição única para basear a condenação se outros dados suficientes, incluindo a vasta prova testemunhal e documental produzidas na instrução criminal, militam no sentido da materialidade do delito.

                                  5. A análise de inexistência de prova da materialidade dos delitos de lavagem de dinheiro e associação para o tráfico demanda incursão no contexto fático-probatório dos autos, defeso em sede de recurso especial, nos termos do enunciado 7 da Súmula do STJ

                                  6. Prejudicada a análise da violação do art. 12, § 2º, da Lei 6.368/76, em razão de julgamento de habeas corpus.

                                  7. Recurso especial conhecido e improvido” (REsp 1009380/MS, Rel. Ministro Arnaldo Esteves Lima, Quinta Turma, julgado em 12/05/2009, DJ 15/06/2009).

                                    “CRIMINAL. RESP. TRÁFICO DE ENTORPECENTES. ABSOLVIÇÃO EM SEGUNDO GRAU. AUSÊNCIA DE EXAME TOXICOLÓGICO DEFINITIVO. IRRELEVÂNCIA. MATERIALIDADE COMPROVADA PELO AUTO DE APREENSÃO E LAUDO DE CONSTATAÇÃO DA SUBSTÂNCIA. RECURSO PROVIDO. É imprópria a absolvição do réu apenas em razão da falta do exame toxicológico definitivo, se evidenciado, nos autos, a comprovação da materialidade do delito por meio de laudo provisório de constatação de substância entorpecente, entre outros elementos de convicção, tais como, a própria confissão do réu. Deve ser cassado o acórdão recorrido na parte em que absolveu o réu do delito de tráfico de entorpecentes, para restabelecer, neste ponto, a sentença de primeiro grau. III. Recurso provido, nos termos do voto do Relator” (REsp 741.625/SC, Rel. Ministro Gilson Dipp, Quinta Turma, julgado em 04/08/2005, DJ 29/08/2005 p. 435).

                                   “Havendo no processo o auto de constatação e não tendo a defesa, em momento algum, posto em dúvida a identidade da substância apreendida, constitui mera irregularidade a juntada do exame toxicológico após a audiência de instrução e julgamento e prolação da sentença” (TJSP – AC – Rel. Jefferson Perroni – RT 571/324 e RJTJSP 80/375). 

                                 Quanto ao fato típico descrito na lei antitóxico, verifica-se que a materialidade está devidamente comprovada através do auto de apresentação e apreensão da droga (fl. 18), pelo laudo de constatação (fl. 19), pela confissão do acusado, prova testemunhal e, principalmente, pelo teor do exame químico-toxicológico realizado no Centro de Perícias Científicas “Renato Chaves”, que atestou (fl. 39):

                                  “2 – DO MATERIAL E DOS EXAMES: 1- 47,10g de folhas, sementes e talos de erva seca na forma prensada e fragmentada acondicionada em um plástico incolor. 2- 05 (cinco) embalagens, pesando no total 12,55g de erva acondicionada em um recipiente na cor branca, plástico com a inscrição CENTRUM. O material em questão foi submetido à exames macro e microscópicos e reações químicas.

                                   3 – DO RESULTADO: Positivo para a substância THC (tetrahidrocanabinol) princípio ativo do vegetal Cannabis sativa L., conhecida popularmente por maconha”. 

                                 No que refere à autoria, a prova dos autos é contundente no sentido de incriminar o acusado. Foi ele preso em flagrante (certeza visual do crime), quando, depois de ameaçar de morte B. C. M., policiais civis se dirigiram a sua residência e lá apreenderam, sob o colchão de sua cama, uma porção de maconha prensada, cinco (05) trouxinhas da mesma erva, e a quantia de R$ 105,00 (cento e cinco reais), em dinheiro trocado, o que evidencia o comércio ilícito da droga.

                                 Aliás, tanto na fase inquisitorial como em juízo, o réu confessou a prática delitiva, veja:

                                 “QUE é portador de deficiência física permanente (PARAPLÉGICO), onde também utiliza uma bolsa com sonda para digerir suas necessidades fisiológicas;... QUE na data de 14/03/09, por volta das 18h00, o flagrantado estava em sua residência quando ali chegou seu vizinho B. e convidou o mesmo para tomar uma cerveja e, em dado momento, seu vizinho lhe pediu para que o mesmo lhe vendesse uma trouxinha de MACONHA fiado, pelo valor de R$ 5,00 (cinco reais), sendo negado a referida venda, que causou aborrecimento a B. e uma grande discussão entre as duas partes; QUE em ato contínuo o flagrantado sacou de uma arma de fogo do tipo revólver, calibre 22, de marca ROSSY, e, como é deficiente físico onde passa a maioria de seu tempo deitado, foi dominado facilmente e teve a arma tomada de suas mãos por B.; QUE por volta das 19h00 recebeu a visita dos policiais civis A. e E., onde ao revistarem sua residência encontraram a citada ARMA DE FOGO e uma pequena quantidade de MACONHA, que o flagrantado vendia para o seu sustento e compra de seus medicamentos;...” (fl. 12).

                                 Ressalte-se que ele declarou, ainda, que sempre adquiria cem reais (R$ 100,00) de droga do também traficante conhecido como “Caixa d’Água” e que já praticava o comércio ilícito há mais de um ano, detalhes estes que não poderiam ter sido inventados pela autoridade policial, o que induz credibilidade as suas declarações.

                                 Sob o crivo do contraditório, disse:

Juiz: O senhor B. C. M. é seu vizinho?

Interrogando: Sim

Juiz: No dia 14 de março passado, por volta de 18h, o senhor ameaçou, com uma arma de fogo, B.?

Interrogando: Sim

Juiz: Naquele dia, o B. queria adquirir droga fiada e o senhor não quis fornecê-la?

Interrogando: Sim

Juiz: Por que o senhor o ameaçou de morte?

Interrogando: Porque ele queria me agredir, em razão de eu ter reclamado dele haver bebido umas cervejas que estavam na geladeira

Juiz: Naquele dia, policiais civis foram a sua residência e apreenderam um revólver, maconha e certa quantia em dinheiro?

Interrogando: Sim

Juiz: A droga foi apreendida debaixo do colchão da sua cama?

Interrogando: Não, embaixo de um saco

Juiz: Essa droga pertencia ao senhor?

Interrogando: Sim

Juiz: O senhor adquiria a droga do elemento conhecido por “Caixa D’Água”, que mora na Vila de Joanes, neste Município?

Interrogando: Sim

Juiz: Esse elemento levava a droga em sua residência?

Interrogando: Sim

Juiz: O senhor pagava pela droga a quantia de cem reais?

Interrogando: Sim” (fl. 57). 

                                 Na mesma oportunidade, o acusado reafirmou ao representante do Ministério Público que o desentendimento com o B. foi também pela recusa em fornecer, de graça, a maconha que lhe tinha sido pedida, e que já havia fornecido, anteriormente, droga a ele (B.).

                                 Portanto, observo que a sua prisão em flagrante não se deu por acaso, uma vez que não pairam dúvidas acerca da apreensão da droga em sua residência, pois em momento algum ele negou esse fato.

                                 Não podemos desconsiderar, por outro lado, a quantidade da substância apreendida, a forma de embalagem, a apreensão de expressivo valor em dinheiro com o acusado, sobretudo em notas de cinco reais, preço unitário de cada trouxa de maconha, tudo a indicar o comércio ilícito da droga.

                                 Quanto a ter informado que é usuário de maconha e que a quantidade que adquiria era para seu uso pessoal, não pode militar em seu favor, haja vista que a condição de usuário não exclui, por si só, a condição de traficante.

                                 A propósito, sabe-se que o “traficante” pode também ser viciado e, concomitantemente, guardar ou trazer consigo a droga para uso próprio e para disseminação do vício, assim como o “viciado” também pode ser instrumento de difusão do mal, quando fornece a droga a outrem, seja a título oneroso ou gratuito, ou como forma de colaborar ou facilitar a disseminação da comercialização.

                                 E mais, no concurso de infrações deverá prevalecer a mais grave, ficando absorvida a figura do “usuário”, não podendo este que dissemina o vício se beneficiar argüindo sua condição de usuário da droga, uma vez que para incidência do art. 28, da Lei nº 11.343/2006, as condutas típicas previstas devem ser praticadas com a finalidade exclusiva para “uso próprio”, o que não ocorre no caso em questão, uma vez que a maconha que estava na casa do acusado se destinava também à comercialização.

                                Nesse sentido:

                                “A condição de dependente do tóxico não exclui, por si só, a condição de traficante do acusado” (RT 527/381).

                                “Tráfico – Apreensão de grande quantidade de maconha – Objetivo de comercialização indiscutível, ainda que se trate de réu dependente da erva entorpecente – Condição de traficante que prepondera sobre a de viciado, posto que tinha ele entendimento da ilicitude do tráfico” (TJSP, Ac. 21.059-3, rel. Marino Falcão, RJTJSP 84/382).

                                 Sobre a confissão, dispõe o art. 197, do Código de Processo Penal:

                                 “O valor da confissão se aferirá pelos critérios adotados para os outros elementos de prova, e para a sua apreciação o juiz deverá confrontá-la com as demais provas do processo, verificando se entre ela e estas existe compatibilidade ou concordância”. 

                                 A vítima da ameaça, B. C. M., em juízo, declarou (fls. 59/60):

Juiz: O senhor conhece o acusado há quanto tempo?

Depoente: Há muito tempo, ele era marido da minha tia

Juiz: No dia 14 de março passado, o senhor foi ameaçado de morte pelo acusado, com uma arma de fogo?

Depoente: Sim

Juiz: A arma era um revólver?

Depoente: Sim

Juiz: A arma era esta que lhe está sendo mostrada?

Depoente: Sim

Juiz: Por que motivo o acusado lhe ameaçou de morte?

Depoente: Porque o acusado achou que eu tinha tomado as cervejas dele

Juiz: O senhor é usuário de droga?

Depoente: Não

Juiz: O acusado vendia droga na residência dele?

Depoente: Sim

Juiz: Há quanto tempo o acusado comercializava droga?

Depoente: Não sei quanto tempo, mas tinha um movimento de noite e de dia na casa dele

Juiz: O acusado é usuário de droga?

Depoente: Sim

Juiz: Qual é a droga que o acusado vende e usa?

Depoente: Só maconha

Juiz: Após a ameaça, o senhor se dirigiu à delegacia para pedir providências?

Depoente: Sim

Juiz: Os investigadores se dirigiram à residência do réu e lá apreenderam o revólver, uma barra prensada de maconha, cinco trouxinhas da mesma erva e certa quantia em dinheiro?

Depoente: Sim

Juiz: Onde estavam a droga, o dinheiro e o revólver?

Depoente: Estava tudo embaixo do colchão dele

Juiz: O acusado reside sozinho?

Depoente: Sim, às vezes os filhos dele dormem com ele

Juiz: O senhor acompanhou os policiais durante a diligência?

Depoente: Sim

Juiz: O senhor presenciou algum tipo de violência contra o acusado?

Depoente: Não”.                                

                                 O investigador de polícia civil E. N. C. S., por sua vez, afirmou (fls. 61/62):

Juiz: No dia 14 de março passado, quando estava de plantão na delegacia, o senhor B. C. M. lá compareceu e informou que tinha sido vítima de ameaça de morte por parte do acusado?

Depoente: Sim

Juiz: A ameaça foi feita com um revólver, calibre 22?

Depoente: Segundo a vítima sim

Juiz: O senhor sabe por que o acusado teria ameaçado B.?

Depoente: Que, segundo o acusado, o B. quis comprar uma trouxinha de maconha fiado e ele não quis vender

Juiz: O senhor e o investigador A. se dirigiram à residência do acusado e lá apreenderam um revólver, uma barra prensada de maconha, cinco trouxinhas da mesma erva e certa quantia em dinheiro?

Depoente: Sim

Juiz: Onde estavam a droga, o dinheiro e o revólver?

Depoente: Estavam embaixo do colchão do acusado

Juiz: O acusado confessou ao delegado de polícia que vendia a droga para o seu sustento e para adquirir medicamentos?

Depoente: Sim

Juiz: Houve algum tipo de violência contra o acusado?

Depoente: Não”. 

                                 No mesmo sentido foi o depoimento do investigador A. A. A. (fls. 63/64):

Juiz: No dia 14 de março passado, quando estava de plantão na delegacia, o senhor tomou conhecimento de que o acusado teria ameaçado de morte B. C. M.?

Depoente: Sim

Juiz: A ameaça foi feita com um revólver, calibre 22?

Depoente: Sim

Juiz: O senhor sabe por que o acusado teria ameaçado B.?

Depoente: Foi por causa de bebida, segundo o réu

Juiz: O senhor e o investigador E. N. se dirigiram à residência do acusado e lá apreenderam um revólver, uma barra prensada de maconha, cinco trouxinhas da mesma erva e certa quantia em dinheiro?

Depoente: Sim

Juiz: A droga e o dinheiro estavam embaixo do colchão do acusado?

Depoente: Sim

Juiz: O acusado confessou ao delegado de polícia que vendia a droga para o seu sustento e para adquirir medicamentos?

Depoente: Sim, devido o estado de saúde dele

Juiz: Houve algum tipo de violência contra o acusado?

Depoente: Nenhuma”.

                                 O irmão do acusado, G. S. B., e as testemunhas arroladas pela defesa, L. R. B. J. O. e M. A. E. S., nada souberam informar de útil ao processo, a não ser que tomaram conhecimento dos fatos (fl. 65, 66/67 e 68/69).

                                 Por conseguinte, a prova coligida nos autos é convincente e bastante segura, demonstrando satisfatoriamente a autoria do tipo penal previsto no art. 33, caput, da Lei nº 11.343/2006, por parte de R. N. S. B..

                                 De fato, pois, para a caracterização desse crime de ação múltipla é suficiente que o agente adquira, guarde ou tenha em depósito a droga, sem autorização legal. A consumação não exige qualquer resultado, como a venda, conforme têm entendido os nossos tribunais.

                                 Nesse sentido:

                                 “Para a caracterização do crime de tráfico de entorpecentes não é necessário que o agente seja surpreendido no exato momento em que esteja fornecendo materialmente a droga a terceira pessoa, bastando a evidência que para fins de mercancia se destina o tóxico encontrado” (TJSP – Ap. 187.915-3/2, 5ª CCrim, j. 30.11.1995, Rel. Des. Christiano Kuntz, RT 727/478). 

                                 “Para a caracterização do delito de tráfico, crime de ação múltipla, é suficiente que o agente traga o entorpecente consigo, pois a consumação não exige qualquer resultado, como a venda ou a efetiva entrega da coisa, bastando a simples posse da droga” (TRF, 3ª Região, Ap. 97.03.035249-9-SP, 5ª T, j. 10.08.1998, Relatora Desa. Federal Ramza Tartuce, DJU 20.10.1998, RT 763/690).

                                 Outro aspecto a ser consignado, que vem corroborar com a prática delituosa, é a quantidade da droga apreendida e a forma como estava acondicionada (em papelotes), sendo esses fatores caracterizadores do delito em apreço, veja-se:

                                 “Quantidade do produto, forma de embalagem e dinheiro apreendido com o acusado. Circunstâncias que induzem à certeza de sua destinação ao comércio. Desclassificação para uso inadmissível” (JTJ 208/272).

                                  “Inadmissível é a desclassificação do delito de tráfico de entorpecentes para o de uso próprio se a droga foi encontrada acondicionada em várias porções distintas, evidenciando sua destinação ao comércio ilícito” (RT 772/682).

                                  “A simples alegação de o agente ser viciado em drogas não tem o condão de desclassificar a conduta, mormente se surpreendido na posse de grande quantidade de entorpecente, de molde a evidenciar finalidade de venda” (RT 796/688).

                                  Portanto, diante do conjunto probatório carreado para o processo e das circunstâncias que cercam o acusado, não há que se falar em insuficiência de provas para a condenação. Pelo contrário, a condenação do réu é medida que se impõe.

                                 Do mesmo modo, restou satisfatoriamente comprovada a ameaça sofrida por B. C. M., haja vista que essa infração se configura na hipótese de o agente proferir palavras e fazer gestos intimidativos, utilizando-se de arma de fogo contra a vítima que, temerosa, acionou imediatamente a polícia, uma vez que demonstrou, assim, ter levado a sério a ameaça irrogada.

                                 A jurisprudência é remansosa a respeito:

                                 “Não há como se não considerar como séria e idônea para incutir temor de mal grave e iminente a atitude de quem aponta revólver e ameaça atirar contra pessoa com a qual discutia” (JTACRIM 89/438).

                                  “Apontar uma arma de fogo em direção a uma pessoa, com a qual o agente, anteriormente, se desentendera, importa na prática do crime de ameaça. É que, não só a idoneidade de uma arma de fogo, para causar um mal sério, é de conhecimento vulgar, como também o significado de tal gesto decorre da experiência comum” (JUTACRIM 44/411).

                                 O mesmo, porém, não acontece com a imputação do ilícito previsto no art. 12, da Lei nº 10.826/2003, pois, conforme ressaltou o representante do Ministério Público, as condutas de possuir ou manter sob guarda arma de fogo, praticadas pelo acusado, foram temporariamente descriminalizadas pela Lei nº 11.922, de 13.04.2009, que prorrogou, mais uma vez, o prazo para entrega voluntária de arma de fogo.

                                 Traçando um breve histórico legislativo, tem-se que a Lei nº 10.826/2003, que revogou a Lei nº 9.437/1997, introduziu o crime de posse irregular de arma de fogo, acessório ou munição (art. 12) e facultou a possibilidade de entrega da arma e munições pelos possuidores e proprietários (artigos 30 e 32), no prazo de 180 dias a contar da publicação da lei, que se deu em 23.12.2003.

                                 Posteriormente, esse prazo de 180 dias foi sucessivamente prorrogado pela edição das Medidas Provisórias ns. 174/04, 229/04 e 253/05, sendo essa última convertida na Lei nº 11.191/2005, prorrogando o prazo para regularização ou entrega das armas de fogo até 23.10.2005.

                                 Em face disso, a doutrina e a jurisprudência predominantes passaram a considerar atípica, pela ocorrência da abolitio criminis temporária, toda conduta relativa à posse ilegal praticada até aquela data, quando se deu o referendo sobre as armas de fogo.

                                 Contudo, recentemente, a polêmica foi revisitada em face da publicação da Medida Provisória nº 417, de 01.02.2008, convertida na Lei nº 11.706/2008, que, alterando a redação dos artigos 30 e 32, da Lei nº 10.826/2003, renovou a possibilidade de regularização do registro de armas de fogo de uso permitido até 31 de dezembro de 2008.

                                 Estancando de vez a quaestio juris, registro a alteração legislativa procedida pela Lei nº 11.922/2009, que novamente prorrogou o prazo do art. 30, da Lei nº 10.826/2003 até 31.12.2009.

                                 Assim, em face do princípio da retroatividade da lei penal benéfica, entendo que a Lei nº 11.922/2009 deve alcançar os fatos ocorridos a partir de 23.10.2005, criando uma situação de abolitio criminis que está a merecer o adequado dimensionamento.

                                 Considerando que a conduta delitiva imputada ao acusado foi praticada em 14.03.2009, está ela acobertada pela descriminalização temporária.

                                 A propósito:

                                 “APELAÇÃO CRIMINAL. POSSE DE ARMA DE FOGO. ABOLITIO CRIMINIS. Dadas as disposições da Lei nº 10.826/03, com a alteração subseqüente pela Lei nº 11.922 (art. 20), de 13.04.2009, ocorreu um vácuo legislativo em relação à posse de arma de fogo até 31.12.2009, já que concedido prazo para que todos os possuidores e proprietários de armas não registradas procedessem aos respectivos registros. Nesse lapso temporal ocorreu atipicidade das condutas previstas nos arts. 12 e 16 (quanto à posse) do Estatuto do Desarmamento, inexistindo punição cabível, já que se presume a boa-fé de que o agente entregaria a arma antes de expirar o prazo legal. Apelo improvido” (Apelação Crime nº 70032914640, Primeira Câmara Criminal, Tribunal de Justiça do RS, Rel. Manuel José Martinez Lucas, Julgado em 09/12/2009)”. 

                                 À vista disso, julgo procedente, em parte, a pretensão estatal, para o fim de absolver o réu R. N. S. B., qualificado inicialmente, da imputação pelo crime previsto no art. 12, da Lei nº 10.826/2003, condenando-o, tão-somente, por ter infringido os artigos 33, caput, da Lei nº 11.343/2006, e 147 c/c art. 69, do Código Penal.

                                 Em razão disso, passo a dosar as respectivas penas.

                                 Erige dos autos que o réu agiu com culpabilidade normal à espécie, nada tendo a se valorar; possui bons antecedentes, eis que não existe registro anterior de qualquer condenação por fato delituoso; pouco ou quase nada se apurou acerca da personalidade e conduta social do acusado; o motivo do delito é identificável como o desejo de obtenção de lucro fácil, o que já é punido pelo próprio tipo, sendo que as circunstâncias lhe são amplamente desfavoráveis, em decorrência da quantidade da droga apreendida. As conseqüências são facilmente previsíveis, pois nefastas para a sociedade, de grande potencial ofensivo, sendo responsável pela ruína de diversos jovens e famílias, além de móvel de outras infrações penais. Por fim, a situação econômica do acusado é modesta, haja vista que sobrevive de um benefício pago pela Previdência Social, no valor de um salário mínimo.

                                 À vista dessas circunstâncias, fixo a pena-base para o crime de tráfico em cinco (5) anos de reclusão e ao pagamento de 500 (quinhentos) dias-multa, cada um equivalente a um trigésimo do salário mínimo vigente ao tempo do fato, em observância ao disposto no art. 43, caput, da Lei nº 11.343/2006.

                                 Na segunda etapa, não há circunstâncias agravantes e atenuantes a serem consideradas.

                                 Porém, considerando que o réu é primário, não possui antecedentes criminais e não integra organização criminosa, reduzo as reprimendas até aqui fixadas em um quinto (1/5), ficando, então, na ausência de outros fatores modificativos, condenado à pena de quatro (4) anos de reclusão e ao pagamento de 400 (quatrocentos) dias-multa, de acordo com o disposto § 4º, do art. 33, da Lei nº 11.343/2006.

                                 Com referência ao crime de ameaça, o acusado não agiu com dolo que ultrapassasse os limites da norma penal, o que torna sua conduta inserida no próprio tipo; o réu é possuidor de bons antecedentes; não existem nos autos elementos para aferição da personalidade e conduta social do acusado, razão pela qual deixo de valorá-las; o motivo do crime não o justifica; as suas circunstâncias se encontram relatadas nos autos, nada tendo a se valorar; as conseqüências do crime são normais à espécie, tendo a vítima concorrido para o fato ao não aceitar a recusa no fornecimento da droga, sem pagamento.

                                 Dentro, pois, desses parâmetros fixo a pena-base e definitiva em 10 (dez) dias-multa, sendo o dia-multa no seu piso legal, a ser atualizado monetariamente quando da execução.

                                 Em sendo aplicável ao caso a regra disciplinada pelo art. 69, do Código Penal, fica o réu definitivamente condenado à pena de quatro (4) anos de reclusão e ao pagamento de 410 (quatrocentos e dez) dias-multa.

                                 Em face do disposto no art. 2º, parágrafo 1º, da Lei nº 8.072/1990, o réu deverá iniciar o cumprimento da pena em regime fechado, permanecendo, contudo, em prisão domiciliar, até que seja possível a sua transferência a um estabelecimento adequado ao seu estado de saúde.

                                 Denego-lhe o direito de apelar em liberdade porque seria um contra-senso se assim não fosse, já que esteve preso durante todo o desenrolar do processo e a sentença lhe é desfavorável. Ademais, há necessidade de se preservar a ordem pública, diante do risco de reiteração da ação delituosa, persistindo, assim, as razões motivadoras da prisão cautelar.

                                 A esse respeito, mister a transcrição do seguinte julgado:

                                “HABEAS CORPUS. DIREITO DE APELAR EM LIBERDADE. INADMISSIBILIDADE. RÉU QUE PERMANECEU PRESO DURANTE TODA A INSTRUÇÃO CRIMINAL. CONVALIDAÇÃO DOS MOTIVOS ENSEJADORES DA CUSTÓDIA COM A SUPERVENIÊNCIA DA SENTENÇA CONDENATÓRIA. PRINCÍPIO DA PRESUNÇÃO DE INOCÊNCIA. INEXISTÊNCIA DE INCOMPATIBILIDADE. DENEGAÇÃO DA ORDEM.

                                 É da jurisprudência assente em todos os Tribunais do país que não tem direito de apelar em liberdade o réu que, ao tempo do decreto condenatório, já estava preso, seja em razão de flagrância, seja em razão de preventiva, seja em razão de pronúncia” (TJDF, HC 3816-3, 1ª Turma Criminal, Rel. Des. Natanael Caetano, DJ de 04.10.2000).

                                 Valendo destacar, ainda, que no seio do Egrégio Superior Tribunal de Justiça já restou consagrado o verbete de Súmula nº 9, cujo enunciado é do seguinte teor:

                                 “A exigência de prisão provisória para apelar não ofende a garantia constitucional da presunção de inocência”.

                                 Comunique-se ao delegado de polícia civil deste Município e solicite-se à Corregedoria de Justiça das Comarcas do Interior as providencias necessárias para a transferência do ora condenado a um estabelecimento adequado.

                                 Custas ex lege.

                                 Transitando a presente decisão em julgado, tomem-se as seguintes providências:

                                 a) Lance-se o nome do réu no rol dos culpados;

                                 b) Proceda-se ao recolhimento da pena pecuniária, na forma do art. 50, do Código Penal, e art. 686, do Código de Processo Penal;

                                 c) Comunique-se ao Tribunal Regional Eleitoral;

                                 d) Expeça-se a guia de recolhimento provisória ou definitiva, conforme o caso.

                                 P. R. I.

Salvaterra, Pará, 31 - maio - 2010

 

PAULO ERNESTO DE SOUZA

Juiz de Direito